Constatou-se também, a existência de contradição entre os ideais autogestionários e
socialistas que inspiram essas experiências e a prática do assalariamento de trabalhadores não
associados por parte de duas das cooperativas estudadas. Devido a fatores históricos e
conjunturais essas organizações passaram a empregar o assalariamento como condição para
sua reprodução. Também foram identificados certos paradoxos organizacionais que, no
momento, não representariam riscos para o desenvolvimento dessas experiências
autogestionárias, mas que futuramente poderão se converter em contradições principais.
O estudo mostra que, sem enfrentar e superar as contradições principais, os coletivos
não terão como assegurar a sua continuidade enquanto experiências autogestionárias de
inspiração socialista.
ABSTRACT
This report has been prepared based on a comparative study which tries to analyze the
process to establish and develop cooperatives of rural labourers collective production linked
to the Landless Rural Labourers Movement (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
– MST). The main objective was to identify the contradictions which establish limits and
possibilities of development of four cooperatives situated in the Southern Region of Brazil.
All data was obtained through focused interviews and 46 formal surveys, information
has also been collected from the archives of the cooperatives. For the data analysis,
quantitative procedures (descriptive statistics and correlation analysis ) and qualitative
procedures (documental and content analysis) were used.
The research demonstrated a significant social development at the collective
cooperatives, where their associates have reached important achievements such as:
improvement on housing conditions, basic sanitation, health, improvement on the level of
school education, a gradual increase on the income, annual vacations (in some cases, paid
vacations), partial support in cases of pregnancy and sickness. These results represent, in fact,
a higher achievement since, during this period, urban and rural life conditions worsened for
the majority of the population in Brazil. The research made clear that the evolution of the
social indicators occurs as the collective organizations receive the financing subsided by the
federal government and invest in activities that will generate income and create jobs for the
working force available in the community, what denotes the importance of this support in
order to ensure the social-economic development of the Agrarian Reform settlements.
The analysis of the empiric data made also clear that the cooperatives of collective
production make use of democratic mechanisms of administration, which ensures a wide
participation from the associates when defining operation norms, performance objectives, and
their internal policies, configuring the form of administration adopted as self-government at
the level of production unit.
Nevertheless, the economic analysis showed that these organizations face serious
deficiencies in terms of: capability of generating receipts, utilizing efficiently the working
force available, remuneration of production factors and generation of economic surplus of
which is possible reproduction as a productive unit able to compete against similar capitalists
investments.
It was also noticed in two of the cooperatives the existence of contradiction among the
self-governing and socialist ideals which inspire these experiences and the practice of
remunerating (paying) non-associated workers. Due to historical and circumstantial factors
these organizations began to hire labor as necessary condition for their reproduction. Certain
organizational paradoxes has also been identified that, for the time being, would not represent
risks for the development of these self-governing experiences but that could in the future turn
into main contradictions.
The study shows that if the main contradictions are not faced and overcome, the
collective organization won’t be able to ensure its continuity as self-governing experiences
from socialist inspiration.
RIASSUNTO
Il presente lavoro si costitui in un studio comparativo di casi, che cercò analizzare il proccesso
di costituizione e sviluppo di Cooperative di Produzione collettiva di lavoratori rurali,
vincolati al Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Si oggettivò identificare
le contradizioni che stabilirono limiti ed possibilità di sviluppo di quattro Cooperative, ubicate
nella Regione Sud del Brasile. I dati furono ottenuti attraverso l’interviste semi-strutturate, e
dalla applicazione di 46 questionarii, oltre che, della raccolta d’informazioni nei registri e
documenti delle Cooperative. Nella analise dei dati, si utilizò di proccedimenti quantitativi
(statistica descritiva e l’analise di correlazione), e, qualitativi (analise di contenuti e
documentali).
La ricerca ha costatato che, le Cooperative collettive apresentarono un sviluppo sociale
significativo, avendo i suoi associati giunto conquiste importanti come: migliora delle
condizioni di abitazione, risanamento basico; salute, livello di studio; incremento gradattivo
nella rendita monetaria, vacanze annuali (in alcuni casi, remunerati (ou queres dizer riposo
settimanale rimunerato); ausilio gravidanza, e ausilio mallatia. Questi dati acquistano un
maggiore significato perchè, nello stesso periodo, le condizioni di vita nelle aree urbane ed
rurali nel Brasile, hanno avuto un peggioramento, per l’ampia maggioranza della popolazione.
La ricerca evidenziò che l’evoluzione dei indicatori sociali, accadono nella misura che, i
collettivi ricevono finanziamenti sussidiatti del governo federale, ed investono in atività
geratrici di rendita e di occupazione della forza di lavoro disponibile nei coletivi, il quale
dinotta l’importanza di questa forma di appoggio, com il fine di assicurare l’sviluppo socio-
economico nei locali della Riforma Agraria.
L’analise dei dati empirici, ha evidenziato ancora che, le Cooperative di Produzione
colettive utilisarono di mecanismi democratici di gestione, i quali assicurano ampia
participazione degli associati nella definizione di funzionamento, delle mete di disimpegno e
delle suoi politiche interne, che configurano la forma di gestione adottata come autogestione
al livello della unità di produzione. L’analise economica denoto, frattanto, che queste
organizzazioni affrontano serie deficienze in termine di: capacità di gerazione di ricete;
aprofitamento eficente della forza di lavoro disponibile; remunerazione dei fattori di
produzioni, e gerazione di eccedenti che possibilitano la sua reproduzione mentre unità
produtiva capace di competere com gl’imprendimenti capitalisti congeneri.
Si costatò anche, l’esistenza di contradizioni fra gl’ideali autogestionarii ed socialisti,
che ispirano queste esperienze e, la pratica del salariato di lavoratori non associati, nelle due
Cooperative analisate. Forse, ai fattori storici e congiunturali, queste organizzazioni passarono
a impiegare il salariato come condizione alla loro riproduzione. Anche furono identificate
alcuni paradossi organizzazionali che, in questo momento, non rappresentano rischi al
sviluppo di queste esperienze autogestionarie, ma, che nel futuro potrano si convertere in
contradizioni principali. La ricerca dimostrò che, sensa affrontare e superare le principali
contradizioni, i coletivi non potranno tenere come assicurare la sua continuità, come sperienze
autogestionarie di ispirazione socialista.
APRESENTAÇÃO
A motivação para este estudo surgiu para mim depois de uma década e meia de
inserção e empenho em ações de apoio ao MST e às iniciativas econômicas associativas
implantadas nas áreas de assentamentos da Reforma Agrária. Dessa experiência surgiram
questionamentos e preocupações teóricas - com profunda implicação prática e humana -
acerca da possibilidade ou não do desenvolvimento de experiências de organização da
produção e trabalho com caráter e inspiração socialistas em formações sociais de tipo
capitalista, como é o caso do Brasil.
Parto da convicção, que é compartilhada por muitos, de que no Brasil a questão agrária
- representada pela concentração da terra nas mãos do latifúndio, aliada à miséria e exploração
a que são submetidas as massas de trabalhadores rurais - não se constitui em uma barreira
impeditiva para o desenvolvimento capitalista no campo e que, portanto, não se coloca mais
como um problema a ser enfrentado pelo Estado e burguesia nacionais. Diante desse quadro, a
Reforma Agrária tende a se realizar em nosso país somente sob condições de pressão popular
massiva e articulada com lutas por profundas transformações sociais, políticas e econômicas
do conjunto da sociedade brasileira. Uma luta que necessariamente coloque em xeque os
fundamentos do sistema social e econômico capitalista, que se constrói sobre a base da
exploração do trabalho assalariado.
Sem esse caráter, a tão ansiada Reforma Agrária transforma-se num arremedo, vira
simples distribuição de terras, seguida por espasmos pontuais de liberações de crédito e
assistência técnica, ainda e sempre condicionados a freqüentes e extenuantes batalhas campais
onde muitas vezes tombam humildes trabalhadores rurais - como recentemente aconteceu com
o companheiro Antônio Tavares dos Santos1.
Em sendo assim, a luta pela Reforma Agrária empreendida pelo MST e outros
movimentos de trabalhadores rurais resulta em conquistas específicas, materializadas nas
centenas de assentamentos espalhados pelo interior do País. Contudo, aos poucos essas áreas
arrancadas das mãos do latifúndio enfrentam uma luta inglória contra o inevitável
1
Agricultor assentado no Estado do Paraná morto pela Polícia Militar do Governo Jaime Lerner, no dia
02/05/2000, quando um grupo de manifestantes do MST foi impedido de entrar na cidade de Curitiba para
reivindicar crédito, assistência técnica para os assentamentos e protestar contra a política econômica neoliberal
do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
solapamento econômico ocasionado pela competição capitalista nos mercados. A ruína
econômica ameaça os pequenos produtores recriados pela luta social.
Nesse processo de luta e resistência popular dá-se o surgimento de centenas de
organizações associativas e grupos de trabalho coletivo. Essas experiências surgem das mãos
calejadas que sabem manejar a enxada e a foice que, corajosas, enfrentam a polícia e a
violência do latifúndio, mas que se espantam diante do gigantismo das dificuldades
econômicas e administrativas que surgem como espectros a inviabilizar e ceifar um número
sempre crescente dessas organizações econômicas.
Tornou-se preciso para muitos e para mim enfrentar o desafio de procurar entender
melhor a dinâmica de como nascem e se desenvolvem essas experiências associativas -
cabendo-me agora a parte mais avançada destas, que são as cooperativas de produção coletiva.
Na verdade, o caminho trilhado nesta pesquisa também foi o caminho do aprendizado
teórico e metodológico, da compreensão e apreensão de uma ferramenta que permitisse
enxergar além das aparências, da superfície das coisas e dos fenômenos sociais e econômicos.
Nesse ponto, as lições aprendidas com meus orientadores possibilitaram ir muito além do que
poderia e do que imaginava quando iniciei a pesquisa.
O que nos move não é uma fome de saber por saber. Não se quer conhecer o “bicho”
para olhá-lo de longe. O que se quer é poder domá-lo e depois poder dar-lhe o rumo da
caminhada; que os coletivos deixem de ser mistério para ser conhecimento e que este
conhecimento seja ferramenta de luta na mão dos Sem-Terra.
A inserção que tive junto ao MST quase sempre se deu via o seu setor de produção -
Sistema Cooperativista dos Assentados. Foi aí que, junto às ações de massa, aos
enfrentamentos de todo tipo e calibre, vimos surgir e também perecer experiências lindas
porque ingênuas, pois queriam tocar o céu com as mãos e caíram nos primeiros tropeços. Mas
foram companheiros valorosos que arriscaram suas vidas nas lutas e nas lidas, cuja memória
me traz ganas ao peito e lágrimas aos olhos, ao lembrar dos erros que cometemos e ao lembrar
do desafio que sempre foi entender o tal bicho-coletivo dos nossos sonhos e pavores, da nossa
alegria infantil e da nossa estupefação.
Que essa história não se perdesse e que seus aprendizados não fossem esquecidos foi
parte da motivação que me levou a enfrentar o desafio que, ainda incompleto, entrego às mãos
de quem, espero, saiba ver em cada frase, em cada crítica vertida, o gesto indócil do povo
sem-terra que, como dizia o poeta, nunca soube ser impossível e sempre topou fazer...
2
Quero aqui agradecer às pessoas que me auxiliaram no processo de elaboração desse
trabalho e que com seu exemplo, desafio e seus questionamentos contribuíram em muito para
que ele se materializasse.
Em primeiro lugar às famílias de agricultores assentados que com paciência e gentileza
me receberam em suas moradas e toleraram os intermináveis questionários e questionamentos.
Espero que o fruto desses dois anos de pesquisa possa contribuir para a melhoria da
sua condição de vida e das milhares de famílias de agricultores sem terra que anseiam por um
pedaço de terra e por um mundo diferente, mais solidário e mais justo.
Ao povo brasileiro, que possibilitou com seu trabalho o apoio materializado na bolsa
de estudo patrocinada pela CAPES e também às companheiras do Instituto Civitas - Centro
Colaborador pelo apoio financeiro que trouxe tranquilidade na reta de chegada.
Aos professores José Henrique de Faria e Claus Magno Germer pelo inestimável apoio
nas horas boas e menos boas da orientação, pelo estímulo, compreensão e rigor com que
enfrentaram as minhas tentativas em abarcar o mundo dos coletivos com este trabalho.
Aos companheiros do MST pelo aprendizado comum e pelas lições não escritas, mas
ditas com o gesto simples de quem faz quando poucos julgam possível; especialmente às
centenas de companheiros agredidos, presos, torturados, despejados pela polícia do latifúndio
e pelos governantes subservientes desse país, em solidariedade pelas horas de agonia e
sofrimento em que compartilhei da vossa dor tendo que converter minha indignação em
conhecimento. Que vosso exemplo escrito com lágrimas e sangue seja semente de novos
lutadores por um Brasil e um mundo melhores, sem explorados e sem exploradores.
À Nádia e Gustavo que compartilharam do esforço e suportaram as ausências de
“corpo presente” dedicadas ao aprendizado e que no dia-a-dia apoiam minha ausência
militante junto ao MST.
INTRODUÇÃO
A importância deste estudo sobre as cooperativas de produção coletiva de
trabalhadores rurais não deve ser buscada apenas e tão somente na sua possível utilidade
enquanto esforço teórico que contribuirá para repensar a práxis de construção de experiências
econômicas coletivas nos assentamentos de reforma agrária no Brasil.
Sua importância transcende esses limites porque levanta discussões que dizem respeito
à construção de organizações econômicas reunindo trabalhadores rurais em condições
econômicas, sociais e políticas similares à situação de milhões de camponeses não apenas no
Brasil como também em todo o mundo.
O debate sobre o coletivismo no campo sempre se deu marcado por acirramentos de
lado a lado e hoje, apesar da/ou por causa da queda do bloco socialista, o debate aquietou-se
mais pelo “atordoamento” de um dos contendores do que pela sua superação teórica. Ainda
que se deva fazer críticas com relação às formas como o modelo socialista foi conduzido, não
há como deixar de reconhecer que os pressupostos desse sistema ainda se constituem em
objetivos a ser alcançados pela sociedade. Novas considerações precisam ser feitas, novos
debates necessitam ser desenvolvidos e, nesse sentido, a análise dessas quatro cooperativas
coletivas busca trazer novos elementos para o debate.
Durante a elaboração desta pesquisa surgiu uma questão relevante acerca de qual a
denominação mais adequada para designar as experiências em estudo. Inicialmente a opção
recaiu sobre o termo cooperativas camponesas de trabalho coletivo. Porém, tendo em vista o
forte conteúdo sócio-antropológico incorporado no termo camponês, optou-se pela designação
das experiências como sendo cooperativas de produção coletiva de trabalhadores rurais.
Em certo sentido essa opção representa um "desvio" ao debate que necessariamente se
estabeleceria a respeito do fato das experiências vivenciadas pelos coletivos de produção nos
assentamentos - e mesmo as unidades individuais-familiares dos agricultores assentados -
representarem ou não a reconstituição de unidades camponesas, ou se elas constituem
unidades de produtores simples de mercadorias.
Tendo em vista que a reprodução e aprofundamento desse debate não constitui uma
abordagem necessária e central deste estudo e assumindo a priori a posição teórica que
pressupõe as unidades recriadas nos assentamentos como sendo majoritariamente unidades
4
produtoras simples de mercadorias2, conforme a definição marxista, optou-se por não
aprofundar essa discussão à qual reputa-se porém uma grande importância teórica no debate
agrário brasileiro e mundial das últimas décadas.
Consideraram-se como cooperativas de produção coletiva de trabalhadores rurais as
unidades autogeridas que reúnam majoritária ou totalmente trabalhadores rurais em condições
de exercício da propriedade e posse coletiva dos meios de produção (excetuada a propriedade
da terra em alguns casos), em que o trabalho dos associados é organizado mediante
planejamento e normas coletivas autonomamente decididas e os resultados da produção são
distribuídos com base na participação do trabalho de cada associado.
O objetivo do presente estudo foi tratar de investigar o mais fundo que os limites
teóricos, metodológicos e de tempo do pesquisador possibilitaram, as contradições que
estabelecem limites mas também possibilidades de desenvolvimento para as experiências de
produção coletiva de trabalhadores rurais dentro do capitalismo. Portanto, tanto simpatizantes
quanto opositores da idéia dos coletivos encontrarão elementos que permitem apostar/duvidar
do êxito desse tipo de experiência nas condições em que se dá o desenvolvimento capitalista
brasileiro atual: este estudo pretende ter uma utilidade teórica importante nesse campo.
A pergunta central que norteou a pesquisa foi:
“Como se manifestam as contradições que condicionam e estabelecem possibilidades
de desenvolvimento sócio-econômico de cooperativas de produção coletiva de
trabalhadores rurais em assentamentos de reforma agrária na região sul do Brasil?”
Como objetivos específicos procurou-se:
· Identificar e analisar as relações entre as principais características das cooperativas de
produção coletiva de trabalhadores rurais e as contradições presentes no processo interno
de desenvolvimento das organizações em estudo;
· identificar e analisar o desenvolvimento das cooperativas coletivas e verificar elementos
potencialmente conflitivos com o ambiente de entorno capitalista;
2
A rigor existiria uma série de gradações nesse tipo produtor simples de mercadorias, inclusive uma parcela que,
devido às condições de localização das áreas de assentamento tem vínculo extremamente débil com o mercado
capitalista.
· Identificar aspectos ideológicos e culturais presentes nessas cooperativas e buscar
estabelecer paralelos de análise em relação às ideologias capitalista e socialista;
· Estabelecer uma tipologia classificatória para as cooperativas de produção coletiva de
trabalhadores rurais que possibilite a explicitação e análise das relações sociais e
econômicas experimentadas por essas organizações nos assentamentos de reforma agrária
no sul do Brasil.
Para os que atuam junto a organizações associativas de inspiração autogestionária no
meio urbano, o presente trabalho com certeza também deve trazer reflexões úteis. O
aperfeiçoamento dessas organizações de trabalho coletivo mesmo que de tipo industrial ou de
prestação de serviços, pressupõe um adequado conhecimento das mesmas. E apesar de ser
possível apropriar-se de ferramentas e conceitos utilizados na teoria organizacional
“tradicional”, é muito útil poder dispor de referencial prático e teórico que possibilite uma
melhor aproximação da realidade interna e dos desafios e contradições enfrentados por essas
organizações. Muitos dos problemas e desafios enfrentados pelas cooperativas de produção
agropecuária (CPAs) estudadas se apresentam em outras organizações associativas, mesmo
que de extração urbana. Para muitos dos problemas se manifestarem e ser resolvidos, o que
conta na maioria das vezes não é o grau de escolaridade dos participantes ou sua localização
geográfica, mas sim a experiência de inserção no processo produtivo ou o nível de
desenvolvimento das forças produtivas da organização. Esses elementos foram por diversas
vezes discutidos no presente trabalho, de modo que sua utilidade a esses segmentos parece
indiscutível. Além disso, no caso brasileiro, esse tipo de organização tem desenvolvimento
histórico bastante recente, carecendo de maior acúmulo teórico e organizativo3.
No campo da teoria das organizações penso que a contribuição se dá ao descrever e
analisar os mecanismos e a dinâmica de funcionamento de organizações coletivistas
especificamente do meio rural, campo de estudo bastante marginalizado. Outro aspecto
relaciona-se ao estudo de processos participativos em que se oportuniza o envolvimento dos
trabalhadores nas diversas esferas e níveis da gestão empresarial.
3
Um exemplo da possibilidades de interligação entre experiências coletivas dos assentamentos e do meio urbano
já se deu a partir do início dos anos 90 quando um grupo de trabalhadores das minas de carvão da região sul de
Santa Catarina assumiu o controle de uma das minas e buscou na experiência das CPAs a referência para seus
estatutos e formas iniciais de organização do trabalho. Mais recentemente foram desenvolvidas diversas reuniões
conjuntas com empresas autogestionárias industriais de todo o País.
6
Aos pesquisadores que seguem a vertente marxista é de interesse o esforço teórico e
metodológico que se desenvolveu nesta pesquisa com vistas a aplicar a teoria à análise
econômica das cooperativas. Obviamente, algumas simplificações e concessões foram
necessárias com vistas a assegurar que, no tempo disponível, se pudesse chegar a bom termo
nas análises sem abrir mão de um rigor teórico aceitável.
A pesquisa de campo baseou-se no estudo de quatro cooperativas de produção coletiva
de trabalhadores rurais assentados em projetos de reforma agrária localizados nos três estados
do Sul do Brasil e visou trazer à luz aspectos chaves das dinâmicas de desenvolvimento
histórico nos campos econômico e social dessas experiências que permitissem melhor
compreensão do tipo de contradições que permeiam seu funcionamento.
Optou-se por apresentar o resultado da pesquisa de forma a manter juntos os dados
obtidos em campo e a base teórica utilizada para fins de sua análise. Essa escolha pouco usual
se deu em vista de possibilitar uma melhor visualização dos diversos aspectos tratados, tendo
em vista o caráter amplo e relativamente abrangente da pesquisa realizada. A apresentação dos
resultados de pesquisa está, portanto, organizada de forma a que em cada capítulo seja tratado
um dos temas abordados. Espera-se com isso possibilitar um maior aprofundamento e a
identificação antecipada das conclusões parciais e preliminares.
Ao final, procura-se, no capítulo conclusivo, estabelecer uma síntese do conjunto de
conclusões e indicar em caráter preliminar possíveis relações entre as diversas partes de
organizações complexas como as estudadas.
Quanto à estrutura do texto, os temas foram organizados da seguinte forma: o primeiro
capítulo aborda de forma sucinta os aspectos históricos da cooperação e cooperativismo na
agricultura e o objeto deste estudo: as cooperativas de produção coletiva de trabalhadores
rurais, contextualizando-as no histórico e dinâmica do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra - MST.
O segundo capítulo descreve a metodologia utilizada na seleção, coleta e análise dos
dados. Optou-se pela realização de um estudo comparativo de casos entre quatro cooperativas
de trabalho coletivo, tendo por objetivo apreender as possíveis nuances do processo
organizativo coletivo em situações distintas de tamanho, idade e desenvolvimento econômico.
Para a análise de dados, utilizaram-se vários procedimentos: Em relação ao questionário,
optou-se pela análise estatística com o teste de Kruskal Wallis (que mede a variância entre
postos), tendo em vista o tamanho reduzido da amostra dentro de cada cooperativa. O teste t
foi utilizado para análise da significância estatística na comparação entre duas situações
(diferenças entre duas cooperativas por exemplo) e a análise da correlação foi empregada para
avaliar cruzamentos entre questões intervalares (escalas de tipo Likert).
A partir da análise preliminar dos dados obtidos na aplicação do questionário, buscou-
se identificar e esclarecer os pontos relevantes em que houve diferenças estatisticamente
significativas entre membros das diferentes cooperativas pesquisadas. O objetivo foi
caracterizar em que medida a diferença entre as respostas se devia ao fato dos indivíduos
pertencerem a cooperativas diferentes e, em tendo obtido essa confirmação buscar elementos
que explicassem as razões para essa relação. Na análise das entrevistas semi-estruturadas e
dos documentos coletados utilizou-se da análise de conteúdos.
No terceiro capítulo são caracterizadas as cooperativas estudadas e o perfil dos
respondentes individuais e elabora-se um quadro perceptivo dos associados em relação ao
funcionamento dos coletivos. Nesse ponto do estudo, procura-se conformar um pano de fundo
geral para situar a parte principal da pesquisa, que se desenvolve nos capítulos seguintes.
Enquanto no quarto capítulo explora-se a dinâmica democrática interna dos coletivos,
focalizando-se na descrição dos mecanismos e instâncias da democracia autogestionária, no
quinto capítulo a análise evolui para os aspectos da organização do trabalho. São
especialmente analisados: a forma como se materializa a divisão do trabalho, o grau de
controle sobre o processo de trabalho e a manifestação do fenômeno hierárquico. São
discutidos aspectos bastante importantes para o entendimento e a configuração das
experiências de trabalho coletivo.
As relações de propriedade e a forma como se realiza a apropriação dos excedentes são
abordadas no sexto capítulo. Procura-se identificar se as relações de propriedade constituem-
se num impedimento ao pleno exercício da gestão coletiva e se ameaçam a integridade dessas
experiências. Em relação à forma como se dá a apropriação dos excedentes, procura-se
verificar se ocorrem relações de assalariamento de tipo capitalista que impliquem, portanto,
em exploração sobre trabalho alheio, e/ou se as contratações seriam eventuais e desprovidas
de caráter necessário à reprodução da experiência associativa. Por último, nesse capítulo,
analisa-se a questão da produtividade do trabalho e a sua relação com a forma como se
distribuem os excedentes da produção entre os associados. Esse aspecto é importante para a
sobrevivência dos coletivos, uma vez que, enquanto experiências econômicas dentro do
capitalismo, são regulados em sua capacidade de sobrevivência pelo nível de eficiência
produtiva e capacidade de concorrência na produção de mercadorias.
8
O sétimo capítulo aborda o conjunto dos indicadores econômicos das cooperativas.
Num primeiro momento a análise é centrada nos resultados econômicos globais das
cooperativas em si mesmas, efetuando-se num segundo momento uma síntese geral sobre as
quatro experiências e ainda uma comparação pontual entre indicadores técnicos e econômicos
de uma atividade produtiva conduzida em empresas capitalistas semelhantes. A análise
econômica, em conjunto com as discussões sobre a organização e produtividade do processo
de trabalho pode ser considerada como o núcleo de todo o trabalho, e é onde aparecem as
contradições principais a ser enfrentadas pelos coletivos.
No oitavo capítulo a preocupação está em descrever e analisar aspectos ligados à
ideologia dos membros do coletivo. Em que medida os valores e ações dessas pessoas levam
em conta os ideais socialistas e autogestionários? Já estariam sendo gestadas contradições
internas de ordem ideológica que poderiam estabelecer situações de ruptura e inviabilização
dessas experiências enquanto iniciativas de cunho socialista? Através da análise das respostas
e dos documentos coletados é possível adentrar nessa questão de forma a deixar mais claro o
que ocorre por debaixo da superfície (pouco) tranqüila dos coletivos.
Por fim, o nono capítulo busca efetuar uma espécie de balanço geral da pesquisa
trazendo elementos da interrelação entre os vários aspectos estudados. O objetivo é que se
constitua um quadro de referência que permita, coerente com os objetivos iniciais do trabalho,
identificar as contradições que estabeleçam limites e possibilidades de desenvolvimento
dessas experiências coletivistas dentro de uma sociedade capitalista. Ainda no capítulo
conclusivo, a partir dos limites e dos insights obtidos na pesquisa atual, sugere-se uma série
de possíveis questões a ser aprofundadas em outros estudos.
Ao final, portanto, procurou-se analisar as contradições que estabelecem os limites e
possibilidades de desenvolvimento de cooperativas de produção coletiva de trabalhadores
rurais a partir de cinco categorias de análise: gestão democrática; organização do processo de
trabalho; relações de propriedade e apropriação do excedente; eficiência econômica e
ideologia. Espera-se, com isto, que estejam estabelecidas as condições de análise e, portanto,
seu alcance.